A Operação Derrama, desencadeada pela Polícia Civil e que levou à prisão de 33 pessoas em janeiro de 2013, somente entrou na CPI da Sonegação por ter provocado o medo dos gestores públicos, que, a partir dessa ação policial, deixaram de autuar e cobrar tributos, principalmente, da cadeia produtiva de petróleo, facilitando a evasão e sonegação de impostos tanto municipais quanto estaduais.
A explicação foi dada nesta terça-feira (23) pelo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa, destinada a apurar a sonegação de impostos e possíveis abusos de agentes públicos durante a Operação Derrama, deputado estadual Enivaldo dos Anjos (PSD), depois da mais longa sessão até agora. Durante quase quatro horas, os deputados ouviram o delegado Rodolfo Laterza, um dos delegados que estiveram á frente da ação policial. Por diversas vezes, durante seu longo depoimento, o delegado Laterza disse que a diferença entre a Derrama e a Operação Lava-Jato, deflagrada em nível nacional pela Justiça Federal, é que a nacional teve desdobramentos e a estadual ficou apenas na primeira fase.
“A sonegação é um dos maiores problemas do Estado. As questões que envolvem matéria de prova e juízo de valor eu estou, ética e funcionalmente, impedido de falar, até porque ainda existem processos em andamento, mas a Operação Derrama, que alcançou agentes públicos e empresários na primeira fase, teria que ter outras fases, pois seu objetivo era a apuração de tudo o que fosse ilegal, desde a forma de apuração quanto as sonegações e evasões fiscais. Uma operação como essa não se encerra na primeira fase, a não ser quando há ingerência”, disse o delegado, deixando uma dúvida no ar.
Enivaldo fez várias intervenções durante a inquisição ao delegado para acertar o rumo dos debates e, ao final, observou que a Petrobras “deixou de ser uma empresa séria para se tornar uma das maiores sonegadoras e fonte de corrupção no País”. Enivaldo acabou oportunizando a Laterza uma chance de defesa diante das suspeitas das vítimas da Operação Derrama, quando perguntou sobre possíveis prejuízos funcionais que teria tido após participar do inquérito.
“Houve fatos importantes para a desmobilização da Operação Derrama, principalmente a manifestação da Procuradoria de Justiça e nossa saída (dele e dos demais delegados) do Nuroc. Fui exonerado sem qualquer fundamentação. Essa é uma dívida do Estado brasileiro com a Polícia Civil. Enquanto trabalharmos com essa falta de autonomia, estaremos sujeitos a essas ingerências”, disse Laterza, que confirmou ter recebido várias ameaças depois da operação, assim como seus colegas delegados do Nuroc.
“A Petrobras está dando um prejuízo de mais de 4 bilhões de reais de ISS não recolhidos aos cofres municipais e figura como a maior sonegadora de ICMS do Espírito Santo. Quero alertar aos prefeitos, porém, que, se eles não cobrarem o que tem que ser cobrado, nós vamos denunciá-los ao Ministério Público e processá-los por improbidade administrativa”, disse Enivaldo dos Anjos.
De acordo com Laterza, o Núcleo de Repressão a Organizações Criminosas (Nuroc) não atuou por iniciativa própria no caso, mas por ordens da Secretaria de Estado de Segurança Pública, à qual está diretamente vinculado. Segundo o delegado, a Secretaria determinou a operação a partir de um documento expedido pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCEES), assinado pelo então presidente do órgão, conselheiro Sebastião Carlos Ranna.
Por várias vezes, o delegado disse que “houve problemas para se dar continuidade à operação”. Laterza e seus outros colegas delegados foram afastados do Nuroc em janeiro de 2014, e hoje ele atua na Delegacia de Santo Antônio, em Vitória, depois de passar pela Delegacia Anti-Sequestro. As galerias do plenário Dirceu Cardoso ficaram tomadas por delegados da Polícia Civil, portando faixas enaltecendo o trabalho da corporação. Laterza, que é carioca e está há oito anos na polícia capixaba, é hoje presidente do Sindicato dos Delegados.
Na época da operação, ele era o vice-presidente e foi nesta condição, segundo ele, que se encontrou várias vezes com o então presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Pedro Valls Feu Rosa. A maior parte do depoimento foi tomada pelo deputado Guerino Zanon (PMDB), membro da CPI da Sonegação e que foi um dos agentes públicos presos pela Operação Derrama e até hoje não se conforma com esse fato, considerando-se injustiçado.
Hoje, os processos contra ele foram arquivados pelo Ministério Público. Outra participação contundente foi do deputado Theodorico Ferraço, que preside a Assembleia Legislativa. Ele foi secretário na Prefeitura de Itapemirim, cuja prefeita na época, sua mulher Norma Ayub, foi uma das presas pela operação. Ferraço foi taxativo em atribuir ao desembargador Pedro Valls a responsabilidade por “manipular o trabalho dos delegados do Nuroc na Operação Derrama, induzindo-os ao erro”.
O delegado, questionado por sua amizade com o desembargador Pedro Valls, disse que “essa amizade foi posterior à Operação Derrama” e o tempo inteiro confrontou as teses de erros nas apurações, bem como de provas “mentirosas”, como argumentou o deputado Guerino Zanon. “Não houve erros e nem provas fraudulentas. O que não houve foi contexto favorável ao desdobramento da operação para chegar aos sonegadores”, acentuou Laterza. Ele falou também sobre o “excesso de judicialização” de ações pelos supostos sonegadores e sobre a questão da legalidade do recebimento de produtividade por fiscais de renda dos municípios investigados na operação.
“Os excessos de judicialização normalmente estão atrelados com a engenharia de sonegação fiscal. Quanto à existência de legislação anterior aos fatos geradores da Operação Derrama, permitindo o pagamento de produtividade aos fiscais, há que se observar que isso não é suficiente. Muitas vezes a legalidade formal pode ser um instrumento para atos ilícitos”, disse Laterza. A sessão desta terça-feira (23) da CPI da Sonegação atraiu muitos deputados ao plenário Dirceu Cardoso. Sentado à mesa diretora, o deputado Gilsinho Lopes, que é delegado de Polícia, fez uma crítica à estrutura da segurança pública do Estado.
“Enquanto o Nuroc continuar vinculado, diretamente, ao secretário de Segurança, será um instrumento político. No dia em que ficar vinculado à Chefia de Polícia passará a ser um grupo de atuação meramente técnica”, disse o deputado.
ACAREAÇÃO
Depois de ouvir, exaustivamente, o delegado Rodolfo Laterza, a CPI da Sonegação deliberou promover, na próxima terça-feira (30), uma acareação entre o juiz aposentado Antonio Leopoldo, o advogado Beline Salles Ramos, o empresário Francisco José Gonçalves, o Xyko Pneus, ex-senador, e o delegado Danilo Bahiense, que foi citado pelos três primeiros como tendo participado de reuniões de madrugada no gabinete do desembargador Pedro Valls no Tribunal de Justiça.